Manifestações culturais na diáspora: tocadores, história do samba e polifonia dos protestos negro Texto 1 Trocas, conflitos e mudanças culturais na diáspora:
Manifestações culturais na diáspora:
tocadores, história do samba e polifonia dos
protestos negro
Texto 1
Trocas, conflitos e mudanças culturais na diáspora:
no bairro do Braz
Autor: Salomão Jovino da Silva
Objetivos: Refletir sobre trocas, conflitos e mudanças culturais a partir do bairro do Braz; e
compreender a origem do samba e sua relação com a história da cultura negra.
Jacob Penteado no seu livro de memórias, “Belenzinho 1910”, narra a presença de músicos
negros no bairro do Braz, em São Paulo no início do século XX, em uma festa de comemora-
cão da abolição da escravatura. O Braz, que não fica longe da área central da cidade, é antiga
zona de chácaras e granjas produtoras de hortaliças e alimentos para subsistência. Ao longo
do processo de industrialização foi convertido em bairro operário.
“No dia 12 de maio, à véspera, portanto, daquela data, à boca da noite, começavam
a chegar negros que nem formiga. Vinham sozinhos ou em magotes, todos
empunhando os mais variados instrumentos: bombos, chocalhos, pandeiros, atabaques,
triângulos, maracas, tamborins, reque-reques, puítas, urucungos, marimbas,
adufes e outros herdados, quiçá, dos seus ancestrais africanos”.
Não é possível saber se o autor grafou tais instrumentos segundo os nomes empregados por
seus usuários ou se recorreu aos estudos folclóricos para identifica-los. Mas parece surpreendente
que a cidade, que nos anos 1970 passou a ser identificada em uma canção como “tú-
mulo do samba”, 60 anos antes tivesse uma presença musical negra tão rica em instrumentos
musicais, inclusive a Marimba.
Há tantos outros registros desse tipo de instrumento no Brasil, mas raramente no estado de
São Paulo, exceção nas congadas de Caraguatatuba e São Sebastião, a segunda já mencionada
por Kazadi Wa Mukuna, registrada no cd Cristãos e Mouros, documentos sonoros brasileiros
(Cachuera:Itaú,1998) e pesquisada por Rossini Tavares de Lima (LIMA,1969) nos anos 1960 e
Iracema França Lopes Correa (CORREA,1981), publicada sob o título: A congada de Ilhabela
na festa de São Benedito.
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Módulo 2 - Fundamentos histórico-culturais: Conteúdos específicos
Em Ilhabela a Congada manteve, até bem recentemente, uma estrutura narrativa com base
na ressignificação da memória da guerra entre os reinos que compunham o antigo império do
Congo. Os grupos se configuram em embaixadas e os confrontos são simulados com bailados,
coreografias extremamente elaboradas, cuja mimese escapa aos assistentes e não iniciados na
prática dos congadeiros, músicos. Além de marimbas, eram utilizados dois atabaques, para
acompanhamento dos textos orais e do canto.
Xilofones em Moçambique recebem o nome de Timbila, Balafon no Sengeal, Bala e Balandji na
Guiné Bissau. Por comparação, levando-se em conta as distancias temporais e possíveis intercâmbios
mais recentes, será possível inferir a origem da marimba da Congada de Ilhabela. De
qualquer forma se os primeiros registros imagéticos de xilofones demonstram sua incidência
na região norte do país, os últimos apontamentos da sua utilização incidem sobre a região
sudoeste, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo.
A Marimba foi assimilada a música ocidental na Europa, no final do século XX. Stravisnk e
Jean Cocteau escreveram as primeiras peças para o “exótico” instrumento africano. Não temos
conhecimento se modernistas brasileiros no processo de “nacionalização” da música erudita
atentaram para as possibilidades criativas da marimba.
Domingos Morais (1986) cita, por exemplo, o navegante português Luis Cadamostro que visitou
a desembocadura do Rio Senegal em 1455 e registrou a presença de balafons entre tambores
“mouriscos” e instrumentos de cordas, “violetas de duas cordas”.
Descreve um encontro musical em que os africanos “também se maravilharam com o som de
nossa gaita de fole, que eu fiz tocar um marinheiro meu”. E talvez o primeiro registro europeu
de um encontro entre musicalidades africanas a ibéricas ainda no século XV.
A iconografia: pinturas, desenhos, gravuras, fotografias, etc. são documentos que dão indícios
de intercâmbios e conflitos socioculturais envolvendo escravizados e libertos negro-mestiços e
a sociedade mais abrangente durante o período em que predominou a escravidão. As musicalidades
que eram fundamentais no contexto africano, certamente não deixaram de sê-lo quando
milhões de homens, mulheres e crianças de pele escura passaram a serem capturas e enviadas
como mercadorias ao novo mundo, na condição de escravizados.
Na diáspora dos africanos estas musicalidades converteram-se na em formas diferenciadas de
sociabilidade. Gravuras como as de Carlos Julião do final do século XVII, também indicam que
instrumentos musicais africanos como as marimbas passaram a ser usadas ao lado de violas
portuguesas, por homens e mulheres de origem africanas.
São, portanto, narrativas e imagens que permitem entrever a presença não desprezível de
instrumentos africanos modelando uma outra cultura musical que já não era lusitana, nem
africana. A predominância crescente de instrumentos cordofônicos ibéricos utilizados por
afro-descendentes, possibilita pensar sobre as apropriações por parte destes, das técnicas de
fabricação e manuseio das violas, mas também podemos inferir sobre técnicas, conceitos africanos
empregados em instrumentos ibéricos. Talvez o que caracterize as culturas africanas na
diáspora, seja justamente o fato dos seus agentes conseguirem certo equilíbrio entre se manter
em termos culturais, pragmaticamente abertos e receptivos e sistematicamente seletivos e
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